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Gusttavo Lima: era necessária a prisão preventiva?



Por Marcelo Aith* - A semana começou com uma grande “bomba”. A juíza da 12ª Vara Criminal de Recife, Andrea Calado da Cruz, na tarde dessa segunda-feira (23), decretou a prisão preventiva do cantor Gusttavo Lima (Nivaldo Batista Lima), apontando que o artista é suspeita de integrar organização criminosa constituída para cometer crimes de lavagem de dinheiro oriundo de jogos de azar.

Nas dezesseis laudas da decisão não se vislumbra a necessidade de decretação da custódia cautelar de Gusttavo Lima. A juíza, que tem um histórico de decisões no mínimo polêmicas, decretou a prisão preventiva do cantor pautada na ilação de que ele teria contribuído com a fuga a José André da Rocha Neto e Aislla Sabrina Henriques Truta Rocha, na medida em que, embora tenha dado carona a eles para Grécia, antes da deflagração da Operação Integration, ocorrida em 4 de setembro, não os trouxe de volta ao Brasil, quando retornou em 9 de setembro. Imagina se essa moda pega? 



Vale destacar que, a juíza, em um exercício elastecido de interpretação dos fatos, considerou que a intensa relação financeira de Gusttavo Lima “com esses indivíduos, que inclui movimentações suspeitas, levanta sérias questões sobre sua própria participação em atividades criminosas. A conexão de sua empresa com a rede de lavagem de dinheiro sugere um comprometimento que não pode ser ignorado”.

Ora, desde quando manter relação, mesmo que de amizade ou profissional, com um investigado, o atrai para o “olho do furacão”? Mesmo que as relações comerciais entre Gusttavo Lima e os sócios das “Bets” tenha indícios de crime de lavagem, por si só, não pode servir de lastro para uma medida tão severa, como a prisão preventiva. 

Nessa linha, o Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se contrariamente à decretação da prisão preventiva. O MPF argumentou que não estavam presentes os requisitos necessários para a prisão preventiva, como a ameaça à ordem pública ou o risco de interferência na instrução criminal. Além disso, sugeriu que medidas cautelares diversas da prisão poderiam ser suficientes para garantir a ordem pública e a conveniência da instrução criminal, como o monitoramento eletrônico ou a proibição de contato com testemunhas. Por fim, o Procurador da República destacou a importância de considerar a proporcionalidade e a necessidade da prisão preventiva, argumentando que a privação da liberdade deve ser uma medida extrema e utilizada apenas quando outras alternativas se mostrarem insuficientes.

Como se sabe, a prisão preventiva é uma medida cautelar de natureza processual penal, destinada a assegurar a efetividade do processo criminal e a aplicação da lei penal. A prisão preventiva deve respeitar, dentre outros, o princípio da proporcionalidade, na medida em que só deve ser decretada quando outras medidas cautelares menos gravosas forem insuficientes. Ela não deve ser confundida com uma antecipação de pena, mas sim como um instrumento para garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal. 

Em consonância com a Constituição da República e ao Código de Processo Penal Brasileiro, a prisão preventiva somente pode ser decretada na hipótese de inviabilidade das medidas alternativas diversas da prisão e estejam presentes os seguintes requisitos: Fumus Commissi Delicti e Periculum Libertatis. 

Fumus commissi delicti estará presente quando houver indícios suficientes de autoria e materialidade do crime. Já o periculum libertatis, estará perfectibilizado quando a prisão de um indivíduo for necessária para garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução criminal ou para garantir a aplicação da lei penal. A garantia da ordem pública visa, em síntese, prevenir a prática de novos crimes e assegurar a paz social. Já a conveniência da instrução criminal, busca evitar que o investigado ou acusado interfira na coleta de provas, intimide testemunhas ou destrua evidências. Por fim, a garantia da aplicação da lei penal, consiste em assegurar que o investigado ou acusado não fuja ou se esconda para evitar a aplicação da pena.

Em que pese possa, em tese, estar presente o “fumus commissi delicti”, consistente na utilização da empresa de Gusttavo Lima para lavar dinheiro provenientes dos jogos ilegais da HSF Entretenimento Promoção de Eventos, não se pode afirmar, nem mesmo hipoteticamente, que a manutenção da liberdade do cantor pode comprometer a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal.

O simples fato de os foragidos José André da Rocha Neto e Aislla Sabrina Henriques Truta Rocha terem viajado com o cantor para a Grécia e não terem regressado com ele, muito embora haja elementos que indiquem uma relação comercial entre o casal e Gusttavo Lima, não pode servir de lastro para a decretação da prisão preventiva. O “periculum libertatis” deve ser concreto e não fruto de ilação ou conjecturas. 

Ademais, diversamente do apontado pela juíza da 12ª Vara Criminal de Recife, a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas, serão suficientes na espécie. Bastaria determinar a apreensão dos passaportes de Gusttavo Lima e a vedação de manter contato com outros investigados. 

A decisão se aproxima, perigosamente, de um justiçamento, conforme se extrai da seguinte fundamentação da juíza: “riqueza não deve servir como um escudo para a impunidade, nem como um meio de escapar das responsabilidades legais. A aplicação da lei deve ser equânime, assegurando que todos, independentemente de sua posição social ou econômica, respondam por suas ações”. 

Com todo respeito, a prisão preventiva não deve ser pautada na condição financeira de qualquer pessoa, em verdade deve ser a alternativa final, quando não for possível a imposição de medidas cautelares diversas da prisão e o encarceramento seja indispensável para garantia da ordem pública e para aplicação da lei penal, bem como para evitar que indivíduos em liberdade comprometam a busca de provas.

Não podemos banalizar o instituto da prisão preventiva, pois se trata de uma medida extrema e deve ser utilizada com parcimônia e rigorosa observância dos princípios e requisitos legais. A aplicação de medidas cautelares diversas da prisão deve ser priorizada sempre que possível, garantindo o equilíbrio entre a necessidade de proteção da sociedade e o respeito aos direitos fundamentais do acusado.

*Marcelo Aith é advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca - ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca.